30/12/2014

LÁGRIMAS OCULTAS

Ofélia, noiva de Hamlet

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas.
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


FLORBELA ESPANCA
Livro de mágoas (1919)



Referência:

PEREIRA, José Carlos Seabra (org. e notas) - Obra Poética, volume I, de "Obras de Florbela Espanca". Lisboa: Editorial Presença, 2009, p. 61.