02/01/2015

AO VENTO


O vento passa a rir, torna a passar,
Em gargalhadas ásp’ras de demente;
E esta minh’alma trágica e doente
Não sabe se há-de rir, se há-de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,
Vento que ris de mim, sempre a troçar,
Vento que ris do mundo e do amar,
A tua voz tortura toda a gente!...

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!
Desabafa essa dor a sós comigo,
E não rias assim!... Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário
Do nosso peito ser como um calvário,
e a gente andar a rir p’la vida fora!!...

FLORBELA ESPANCA
Livro de mágoas (1919)


Referência:
PEREIRA, José Carlos Seabra (org. e notas) - Obra Poética, volume I, de "Obras de Florbela Espanca". Lisboa: Editorial Presença, 2009, p. 80.